segunda-feira, agosto 24, 2009

quarta-feira, agosto 19, 2009

aula 1 do curso autodidacta de escrita criativa

julio chegou a casa. pousou as chaves na mesinha da entrada e começou a despir o casaco enquanto se dirigia para a cozinha. beber água. precisava de beber água. estava quente o dia e ele cansado. abriu o frigorifico. sentiu o gelo descer. sentiu, como só se sente quando se está doente, a garganta, a traqueia, o estomago. frio. inspirou fundo o fresco.
arrumou a garrafa na prateleira lateral do frigorífico. perscrutou de cima a baixo a máquina a ver se alguma coisa lhe espevitava o desejo. pegou num pêssego, sem grande gosto. deu-lhe uma trinca, de braço na cintura enquanto olhava em volta. os estores semi-serrados deixavam entrar o sol que se punha e o som dos carros da auto-estrada. o relógio bateu sete horas consecutivas, repetidas milimetricamente taoum taoum taoum copy paste de mais 4 e o julio ouviu ecos de teclado, o som do dia de trabalho. teve um espasmo na mão. o julio conseguia escrever qualquer coisa no ar. qualquer frase. imaginava um teclado e punha-se a pianar no ar. tolices. o seu nome completo. a morada. o número de telefone da mulher que costumava viver com ele.
tomou um banho. pagou as contas pela net. fez zapping sem parar em lado nenhum. abriu uma lata de atum, como faz muitas noites, e sentiu-se a abrir uma lata de solidão. single served dinner. todos os dias são tv dinner. jantava ele e mais o que estivesse a dar.
que cordéis seguram o júlio? que mãos o fazem repetir todos os dias a mesma dança macabra de gajo velho solteiro a tentar parecer que habita uma casa? é uma caverna. e não há sombras do exterior. julio não parece ter noção desta manobra. já não sente a falta de sal na comida que nunca soube fazer. talvez o júlio esteja à espera que alguém chegue e corte os cordéis por ele. talvez o julio esteja à espera de encontrar um prémio no fundo de uma lata de atum, que diga: 'parabéns, julio! és o feliz contemplado com uma vida nova!' isto dar-lhe-ia forças para cortar os fios. por uns dias. para que o júlio acordasse desta passividade ventriluca, precisava de um ovni. uma coisa nunca vista, não esperada a cair do céu em grande velocidade em frente a sua casa, a explodir na auto-estrada e a escrever em chamas: julio, acorda, está na hora.

sublimação. estou a ganhar-lhe o hábito. esperam-se desenhos, frases bue profundas, ou um filantropismo de outra forma impossível na minha pessoa.

Sublimation is the process of transforming libido into "socially useful" achievements, mainly art. Psychoanalysts often refer to sublimation as the only truly successful defense mechanism, segundo o freud

Ou ainda, The unwitting substitution of a partial satisfaction with social approval for the pursuit of a direct satisfaction which would be contrary to one's ideals or to the judgement of social censors and other important people who surround one. The substitution might not be quite what we want, but it is the only way that we can get part of our satisfaction and feel secure, too, segundo o sullivan

correlações aleatórias, uma das várias razões por que a estatística tem tão mau nome.

desde que comprei um relógio, o tempo anda mais devagar.

quinta-feira, agosto 13, 2009

o sujeito que se fundiu com o dia

Tudo começa num dia que, por ser demasiado igual aos demais, não se encontra num mês específico, nem num ano particular. É um dia genérico, o arquétipo de um dia se é que isso é possível. É. É certamente possível: despertador, pequeno almoço, trânsito, café, cigarro, facebook, ruído branco, almoço, bla, bla, bla, cigarro, ruído branco. Um dia.
O sujeito em causa, e em análise nas próximas frases, sem qualquer controlo ou responsabilidade pessoal, fundiu-se com o dia atrás descrito. Tudo começou quando, de manhã, depois do despertador e da sanita, olhou para o espelho e não viu nada. Nenhuma imagem. Nada entre uma parede e a sua oposta. 'Nada de novo no espelho' - pensou para si, com razão e com sentido. Tratava-se de um tipo que usava a mesma cara há algum tempo. Há meses ou anos ou dias, a unidade de tempo não interessa tendo em conta os acontecimentos em causa.
Dentes e sorriso ninguém os via fazia tempo. Olhos e sobrolho, imobilizados há décadas, eram paisagem. notou no entanto ausências quando se olhou no espelho. Faltas. O arco-íris sombrio das olheiras. Sempre a mudar. Mais verde, mais preto, mais roxo, carmim. Em vez dele o ladrilho que rodeava os azulejos azul cinzento da casa de banho. Faltava mais. Faltava a veia da testa. Recolhida ou exibida, um sensor de humor que não descurava. Mas nesta manhã não havia veia, não havia testa, não havia cabelo para a esconder, havia rodapé, embolorado, castanho e irregular.
Foi. A cara foi a primeira. Mas mais coisas, ou menos dependendo da perspectiva, viriam a faltar a este sujeito ao longo do dia.