o sujeito que se fundiu com o dia
Tudo começa num dia que, por ser demasiado igual aos demais, não se encontra num mês específico, nem num ano particular. É um dia genérico, o arquétipo de um dia se é que isso é possível. É. É certamente possível: despertador, pequeno almoço, trânsito, café, cigarro, facebook, ruído branco, almoço, bla, bla, bla, cigarro, ruído branco. Um dia.
O sujeito em causa, e em análise nas próximas frases, sem qualquer controlo ou responsabilidade pessoal, fundiu-se com o dia atrás descrito. Tudo começou quando, de manhã, depois do despertador e da sanita, olhou para o espelho e não viu nada. Nenhuma imagem. Nada entre uma parede e a sua oposta. 'Nada de novo no espelho' - pensou para si, com razão e com sentido. Tratava-se de um tipo que usava a mesma cara há algum tempo. Há meses ou anos ou dias, a unidade de tempo não interessa tendo em conta os acontecimentos em causa.
Dentes e sorriso ninguém os via fazia tempo. Olhos e sobrolho, imobilizados há décadas, eram paisagem. notou no entanto ausências quando se olhou no espelho. Faltas. O arco-íris sombrio das olheiras. Sempre a mudar. Mais verde, mais preto, mais roxo, carmim. Em vez dele o ladrilho que rodeava os azulejos azul cinzento da casa de banho. Faltava mais. Faltava a veia da testa. Recolhida ou exibida, um sensor de humor que não descurava. Mas nesta manhã não havia veia, não havia testa, não havia cabelo para a esconder, havia rodapé, embolorado, castanho e irregular.
Foi. A cara foi a primeira. Mas mais coisas, ou menos dependendo da perspectiva, viriam a faltar a este sujeito ao longo do dia.
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