quarta-feira, agosto 19, 2009

aula 1 do curso autodidacta de escrita criativa

julio chegou a casa. pousou as chaves na mesinha da entrada e começou a despir o casaco enquanto se dirigia para a cozinha. beber água. precisava de beber água. estava quente o dia e ele cansado. abriu o frigorifico. sentiu o gelo descer. sentiu, como só se sente quando se está doente, a garganta, a traqueia, o estomago. frio. inspirou fundo o fresco.
arrumou a garrafa na prateleira lateral do frigorífico. perscrutou de cima a baixo a máquina a ver se alguma coisa lhe espevitava o desejo. pegou num pêssego, sem grande gosto. deu-lhe uma trinca, de braço na cintura enquanto olhava em volta. os estores semi-serrados deixavam entrar o sol que se punha e o som dos carros da auto-estrada. o relógio bateu sete horas consecutivas, repetidas milimetricamente taoum taoum taoum copy paste de mais 4 e o julio ouviu ecos de teclado, o som do dia de trabalho. teve um espasmo na mão. o julio conseguia escrever qualquer coisa no ar. qualquer frase. imaginava um teclado e punha-se a pianar no ar. tolices. o seu nome completo. a morada. o número de telefone da mulher que costumava viver com ele.
tomou um banho. pagou as contas pela net. fez zapping sem parar em lado nenhum. abriu uma lata de atum, como faz muitas noites, e sentiu-se a abrir uma lata de solidão. single served dinner. todos os dias são tv dinner. jantava ele e mais o que estivesse a dar.
que cordéis seguram o júlio? que mãos o fazem repetir todos os dias a mesma dança macabra de gajo velho solteiro a tentar parecer que habita uma casa? é uma caverna. e não há sombras do exterior. julio não parece ter noção desta manobra. já não sente a falta de sal na comida que nunca soube fazer. talvez o júlio esteja à espera que alguém chegue e corte os cordéis por ele. talvez o julio esteja à espera de encontrar um prémio no fundo de uma lata de atum, que diga: 'parabéns, julio! és o feliz contemplado com uma vida nova!' isto dar-lhe-ia forças para cortar os fios. por uns dias. para que o júlio acordasse desta passividade ventriluca, precisava de um ovni. uma coisa nunca vista, não esperada a cair do céu em grande velocidade em frente a sua casa, a explodir na auto-estrada e a escrever em chamas: julio, acorda, está na hora.

3 comentários:

Anónimo disse...

9/10.

Anónimo disse...

É uma questão de pôr o despertador e não pensar outra vez "são só mais 5 minutos"

Anónimo disse...

mezinha - clister ou qualquer remédio caseiro

mesinha - mesa pequena

semi-cerrados - meios fechados

semi-serrados - meios cortados

agora que penso melhor, uma questão se me alevanta no espírito: terá sido de propósito?