sexta-feira, abril 28, 2006
quinta-feira, abril 27, 2006
deep blue something
E, enquanto assim estava deitado, com a cara encostada às algas, aconteceu de repente uma coisa extraordinária: ouviu uma gargalhada muito esquisita, parecia um pouco uma gargalhada de ópera dada por uma voz de «baixo»: depois ouviu uma segunda gargalhada ainda mais esquisita, uma gargalhada pequenina, seca que parecia uma tosse: em seguida uma terceira gargalhada, que era como se alguém dentro de água fizesse «glu, glu». Mas o mais extraordinário de tudo foi a quarta gargalhada: era como uma gargalhada humana, mas muito mais pequenina, muito mais fina e muito mais clara. Ele nunca tinha ouvido uma voz tão clara: era como se a água ou o vidro se rissem.
Com muito cuidado para não fazer barulho levantou-se e pôs-se a espreitar escondido entre duas pedras. E viu um grande polvo a rir, um caranguejo a rir, um peixe a rir e uma menina muito pequenina a rir também. A menina, que devia medir um palmo de altura, tinha cabelos verdes, olhos roxos e um vestido feito de algas encarnadas.
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sexta-feira, abril 21, 2006
cigarettes and sumol dananás - casual friday no barracão
aconselha-me a consciência que, antes de mais, introduza o incauto leitor ao manual de procedimentos do barracão.
saiba: no barracão todos os dias são dias casuais. é cultura organizacional, norma implicita, acordo psicológico entre o colaborador e a entidade empregadora, you name it.
todos os dias o colaborador deve envergar um traje e um trato casual - noitadas imprevistas estão aqui incluidas, horas de almoço roubadas também, fins de semana sobretudo (podendo nestes dias o colaborador trazer animais de estimação e pantufas se necessário ou desejado).
dadas as normas, só um olho gordo, atento e raramente pestanejante consegue identificar bizarrias. E hoje houve-as, aos molhos e choram os meus olhos por causa de ti. alecrim.
a tarde começou com uma visita de estudo à agência.
mascantes de chiclete, espremedores de borbulhas profissionais e part-time self-lovers passearam-se por aqui em grupos. observaram-nos à distância e em silêncio, possivelmente com medo que nos libertássemos das correntes e lhes saltássemos em cima ou apenas receando que arremessássemos caca das nossas jaulinhas corporate. é um momento zoologico, em que cada um dos colaboradores faz as acrobacias que julga que os mascantes de chiclete desejam ver. aqui em baixo dá-se uma ar ocupado e deseperado, fuma-se e remexe-se numa pilha de papeis. lá em cima afinfa-se mais os pés na secretária, faz-se piadas nonsense ou joga-se à bola (penso).
depois houve show and tell. toda a gente que tinha filhos trouxe os ditos, mostrou e falou sobre eles durantes uns minutos. depois disto os colaboradores devem aproximar-se, apreciar e fazer observações e perguntas.'tão grande que tu estás!', 'é a cara do pai', 'hoje vieste passear', são exemplos de frases aconselháveis.
e foi mais uma sexta no barracão.onde fumei o resto do meu maço de dunhill, cravei português e marlboro. comi uma empada tostada, uma sopa de tomate e mais uma empada menos tostada. . li o guardian o nytimes e o y. conversei com a clara o filipe e a rita. trabalhei no meio disto, sonasol e publico. e saio desta pra um martini.
everything it seems i like is a little bit sweeter a little bit fatter a little bit harmful for me.
me vou.
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quinta-feira, abril 20, 2006
terça-feira, abril 18, 2006
fotografar flores, os próprios pés, nuvens e estradas. esqueci-me de algum chiché?
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segunda-feira, abril 17, 2006
fazia anos que cristo tinha morrido pelos nossos pecados quando eu e o luis nos fomos meter no jogo e no alcool
mito urbano gigante #1
o bingo Panda ou o entretenimento-adulto-sem-nudez como ele é.
primeiras impressões
quando passamos na rua somos cegados por neons verdes. a zona protegida de panda ilumina a avenida até perder de vista.
a entrada é larga e lavadinha e dá para um lobby com sofás de pele castanhos. podia ser um hotel, tem um menino fardado à porta. mas não é.
o gosto pelo neon mantêm-se indoors, somos recebidos por portas fechadas emcabeças por uma luz que nos diz "esperar". já não é verde agora, é vermelho - os ingénuos que recuem - lá dentro joga-se a dinheiro.
enquanto dura o jogo ninguém entra na sala (depois percebemos porquê).
fast learners
entrámos para uma sala muito grande, alcatifada de vermelho. mesas redondas, cadeiras de executivo. cliente confortável é cliente que vai ficando e gastando.
uma sra dona funcionária do bingo veio receber-nos com um ar inquisitório. eu gesticulei 2 no sentido de "somos 2, onde nos sentamos?". bingo não é restaurante. ela pôs-nos 2 cartões na mesa e jogámos ainda de casacos e mala postos. não apanhamos metade dos números que saíram. aprendemos the hardest fastest way. tricky bastard.
bingo/eureka
respiramos fundo quando acabou. vimos a ementa. era tudo barato. martini 1,30€. uma refeição com entrada miniprato sobremesa café, 5€. fazia sentido.
cada cartão de bingo custava 1 euro. 20% do valor das apostas iam para a casa. em cada ronda havia entre 100 e 140 apostas. o valor do prémio dependia desse número, o que a casa ganhava também. acompanharam-me?
incitar ao jogo - behaviourismo arcaico
cada ronda é rápida. um sr atrás de um vidro informa das bolas que saem. voz de microfone. setenta e quatro, sete quatro em fast forward. cada bola aparece num ecrã, feita por computador, igual às da lotaria. a sala está cheia de ecrãs. os que não têm bolas têm eurosport. há canetas próprias, vermelhas. risca-se no cartao os numeros que saem. é um jogo viciante.
no inicio de cada ronda as sras donas funcionarias do bingo batem com força nos cartões. ouve-se um tsss tsss que nos incita a mexer nas moedas. resulta.
panda é prenda
quem faz linha grita linha quem faz bingo grita bingo. de resto não se fala nas jogadas. os srs donos funcionários do bingo comunicam em assobios e pssss psssses sibilantes. para que a culpa de perder seja do próprio e nunca do ruído da casa ou da sorte.
quem faz linha leva um panda quem faz bingo também. quem não faz nada inveja o peluche, já borboto e assinado a vermelho por celebridades. inveja o peluche porque dinheiro não se vê.
um passatempo para missfits
muita gente vai sozinha ao bingo. ao contrário do que pensava não é family fun e não é quality time.
mulheres de boné. casais esgotados. amigos que se não fossem para ali iam para um café de bairro, ficar à mesma em silêncio e roer à mesma as mesmas unhas.
e pronto. não ganhamos nada. para além de deeper knowledge de mais um sitio cliché de lisboa. bingo panda. já está na lista dos been-there-done-that e dos 100 sitios onde é preciso voltar antes de morrer.
explicadinho por pat às 16:35 8 refutações
quinta-feira, abril 13, 2006
la mia machina è arrivata
belíssima.
vou buscar hoje e vai ser uma enchente de fotos no sintoma popular. ad nausea, até enjoar.
boa páscoa, muitas amendoas. não se esqueçam, faço anos no domingo!!!
explicadinho por pat às 17:18 3 refutações
terça-feira, abril 11, 2006
yummi
ok. outro filme.
fui ver o 3 extremos. este é o primeiro.
uma antiga receita oriental consegue trazer a uma actriz a sua juventude, a sua carreira e o seu marido infiel de volta.
a receita são dumplings recheados de fetos humanos. ouve-se o crack crack quando ela mastiga - quanto maiores, melhores. e só custa o primeiro.
a receita traz-lhe também a fertilidade - que os médicos achavam impossível.
um dia, já grávida, durante um banho de imersão, a actriz provoca o seu próprio aborto e almoça o seu filho.
tinha descoberto que preferia a fama e felicidade matrimonial a esterias nas coxas e nas mamas, a chatices e cabelos brancos.
a nossa sociedade. ao extremo (?)
explicadinho por pat às 18:13 6 refutações
o orfeu de saint german de prés
o orfeu é aquele tipo que tocava a lira e cantava tão lindo que amansava as feras, acalmava a corrente dos rios e fazia as pedras e as arvores dansar (com s e não com um c sentado). o orfeu era todo ele poesia. tão fascinado que nem dá pela morte da euridice. fica ligeiramente chatiadinho com a cena e para bem da construção da narrativa lá tem que ir buscá-la aos infernos. “I am letting you into the secret of all secrets, mirrors are gates through which death comes and goes. Moreover if you see your whole life in a mirror you will see death at work as you see bees behind the glass in a hive” os mortais podem atravessá-los se usarem umas luvas de borracha (crianças não experimentem isto em casa). o inferno do cocteau são edificios franceses bombardiados, ainda em ruína da segunda guerra mundial. o que o orfeu encontra lá em baixo é um comité de averiguação de irregularidades. 3 gajos de fato sentados atrás de uma secretária. uma coisa policial.
a historieta mais famosa do orfeu é de quando ele desce aos infernos para ir buscar a sua corpse bride euridice. consta que a dita andava a fugir de um tipo qualquer e foi mortalmente mordida por uma cobra. auch.
o orfeu muito desgostoso com a morte da bonitona, começa a cantarolar as coisas mais tristes alguma vez ouvidas. uma lamuria tão sofrida que subiu aos ceus e pôs ninfas, deuses tudo tudo choroso. eles juntaram-se (que é o que os deuses faziam all the time, juntarem-se no café do olimpo pra beber umas birras quiméricas, comer uns divinos tremoços e falar da vida dos outros) e compadeceram-se. decidiram calar o orfeu oferecendo-lhe uma viagem aos infernos para resgatar a sua amada.
o orfeu lá foi descendo para os infernos, a cantar, amaciando tudo à sua passagem qual soflan, e quando chegou lá a baixo já o hades estava completamente bananas e deixou a euridice subir com ele para o mundo dos vivos. com uma condição. o orfeu devia ir em primeiro lugar e nunca olhar para trás para ver se euridice o seguia. caso olhasse puff, a dita ficava nos infernos for ever n' ever n' ever.
é claro que o orfeu não aguentou, fez pikaboo e a euridice desvaneceu-se-lhe da vista. reza a lenda que depois disso ele nunca mais quis nada com gajas e que se foi refugiar no amor dos rapazinhos. "love the young in the flower of their youth". eu acho bem. enfim. depois de dar o enquadramento vou ao orfeu do cocteau, que vi ontem na cineteca.
o orfeu do cocteau também é um poeta. Um poeta francês dos anos 40.
é alto bonitão, no auge da sua carreira, aclamado pelo público e pela critica. um gajo vestido de creme (espero eu, afinal o filme é preto e branco e o gajo até podia estar vestido de amarelo). Enfim, um tipo elegante que ia cruzar a perna, fumar e beber espiritos ao cafee des poetes, em saint-germain-de-prés, paris-frança.
o orfeu da mitologia ficou famoso por ter arriscado a vida pela sua amada. a euridice deste dandy é uma tipa para o gordinho, que está em casa e não prima pela inteligência. tanto não prima que o orfeu não se lhe arrima muito.
o cocteau estava obcecado pelo orfeu-orfeu (cena alter-ego - o cocteau era poeta - e músico e manager de boxeurs e assim). A problemática aqui não é o amor dos poetas pelo seu objecto amado, é a sua obsessão pela morte. por isso aqui o poeta não é o meio, ou a viagem, é o fim, e a sua própria morte.
o orfeu do filme, como bom poeta, é obcecado pela própria morte. tão obcecado que se apaixona por ela - and it's no wonder, no filme a morte é uma BCBG vestida de channel que o vai ver dormir à noite. a morte anda de rolls royce, escorted por dois motoqueiros leatherette. é stylish.
é um filme fantasioso. podia ser walt disney não fosse tão sombrio.
o orfeu do filme apaixona-se na primeira vez que a vislumbra. e faz tudo para a voltar a ver. fica dias fechado no carro a ouvir mensagens enigmáticas, que se advinham tétricas, emitidas por uma rádio que só tem recepção ali. wicked.
a passagem para o outro mundo dá-se através dos espelhos, que se tornam liquidos e assim transponíveis.
lá o deixam levar a euridice, com a mesma condição da lenda. não olhe para ela, orfeu. a morte também é julgada (tinha levado a euridice só por ciuminho). não pode andar assim a levar pessoas só porque se apaixona por um poeta.
a morte é condenada. e faz todo o sentido. é preciso sacrificar a morte de um poeta, para que ele possa ser imortal.
não sei se isto fechou bem. mas não me apetece escrever mais.
ah, a euridice evapora-se. porque o orfeu olha para ela. não por vontade, mas por acaso, no reflexo do retrovisor do rolls royce da morte.
explicadinho por pat às 15:14 5 refutações